sábado, 11 de março de 2017

ANJO DO MAL / PICKUP ON SOUTH STREET (1953) – ESTADOS UNIDOS





UM FILME MAIS CENTRADO NO SER HUMANO

Filmes de Samuel Fuller, como o provocador anti-racista Cão Branco e a loucura da guerra em Agonia e Glória, são, a princípio, vistos com certa simplicidade, mas bastam alguns minutos, após os créditos finais, para que percebamos a complexidade na ambientação e em seus personagens.
Anjo Mau (um título não tão bom para Pickup on South Street) é um filme tipicamente noir: em preto e branco,  de cunho policial, anti-heróis, corruptos, cínicos, mulheres de índoles duvidosas, realismo urbano, aquele ar de paranoia, além da famosa fotografia facilmente reconhecível. Aqui todos esses elementos são colocados ao longo da trama de uma forma bem crua e direta, bem ao estilo do diretor que sempre evitou "florir" seus personagens com longas e entediantes falas.


O filme começa com o batedor de carteiras Skip McCoy (o ótimo ator Richard Widmark) roubando uma bolsa no metrô de uma mulher chamada Candy (a bela Jean Peters). Ela vinha sendo seguida por agentes à procura de um objeto que estava em sua bolsa. Ao informar ao seu companheiro Joey do roubo, Candy percebe que carregava algo de muita importância  e que se envolvera em um jogo perigoso. Enquanto Joey a incube de localizar o larápio no submundo, o capitão Dan Tiger, responsável pela prisão de Skip por três vezes, recebe a visita de um agente, que lhe informa que dentro da bolsa existia um filme contendo segredos militares a serem vendidos a países inimigos. Dan Tiger consegue, com a ajuda de Moe (Thelma Ritter indicada ao Oscar como atriz coadjuvante), a localização de Skip. Ao capturá-lo, o mesmo finge desconhecer a acusação e se nega a informar o paradeiro do filme, até porque uma quarta condenação o levaria a prisão perpétua.


Nesse subestimado filme vemos o quanto a paranoia pós-guerra ainda agitava o imaginário coletivo. Os inimigos, ou traidores da pátria são referidos como vermelhos, uma alusão à ameaça comunista na guerra fria que perdurou por anos.


Os personagens principais não possuem boa índole ou passado nobre. Skip: hipócrita, irônico e sarcástico, solto da cadeia após ser preso pela terceira vez é desprovido de qualquer patriotismo e indiferente aos danos que o material em suas mãos pode ocasionar. Seu interesse é apenas o proveito financeiro. Seu ar de cafajeste encanta Candy, que posa de mulher fatal, com um passado ligado, provavelmente, a prostituição e vivência no submundo, presa a Joey numa relação que se subentende seja por uma dívida ou obrigação. O capitão Dan Tiger (Murvyn Vye) é conhecido como um policial durão, mas que recorre a estratégias pouco éticas, tanto para conseguir informações, como na acusação de Skip. Os agentes que vigiam Skip parecem trafegar, em determinados momentos, nos dois lados: vão buscá-lo para um interrogatório, mas não recusam uma cerveja oferecida por ele.


Os diálogos são curtos e diretos. Na maioria das vezes ríspidos. Surge uma tensão emotiva entre a dupla principal, mas para Skip, o mundo é um passatempo de dinheiro e mulheres. Candy parece ter encontrado alguém que gosta, mas não percebe os sentimentos de Skip. Joey (Richard Kiley) é o personagem covarde e inseguro, mas que com uma arma na mão, como dizia a música de Bezerra da Silva, “é um bicho feroz” (ou talvez nem tanto).

A personagem de Moe, interpretada magnificamente pela atriz Thelma Ritter, simboliza a América dos esquecidos, sem oportunidades ou esperanças. Suas frases são ditas como um reflexo de parte da população que garante sua sobrevivência, em meio a um sistema econômico apenas bonito para alguns. Tudo que Moe quer é ter um local onde morrer e não ser enterrada em uma vala comum. Seu desejo é o reflexo de muitos na época, que não tinham condições de se adequar ao sistema socioeconômico, passando a criar suas próprias filosofias de vida. 


Quanto ao ritmo do filme, sim, existem alguns momentos em que o filme reduz seus passos, tornando-o mais lento, mas a trama, interessante, consegue manter-se da primeira até a última cena, muito em parte ao carisma do trio Widmark, Peters e Ritter.


Um bom filme noir, bem diferente daqueles que se costuma a assistir, visto que o estilo de direção de Fuller é único. Talvez não seja tão impactante como “Agonia e Glória” que quase toda a hora nos traz algo de desconcertante, mostrando a irrealidade com um tom de plausibilidade que incomoda ou Cão Branco, uma viagem pela mente de pessoas que transformam um animal em racista (novamente o surreal carregado, infelizmente, da certeza da capacidade do ser humano de odiar). Anjo Mau pode não ser o melhor de Fuller, mas dentro de sua filmografia não fez feio e quem gosta de filmes em que se exploram mais o ser humano do que situações, possivelmente o verá como um filme com conteúdo.

Trailer:




Filmografia Parcial: 
Richard Widmark (1914- 2008)
O Beijo da Morte (1947); Pânico nas Ruas (1950); Anjo do Mal (1953); O Álamo (1960); Julgamento em Nuremberg (1961); Os Legendários Vikings (1964); Crepúsculo de Uma Raça (1964); Assassinato no Expresso Oriente (1974); O Último Brilho do Crepúsculo (1977); Terror na Montanha Russa (1977); Paixões Violentas (1984); A Um Passo do Poder (1991).

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